Desde a primeira vez - 16 de fevereiro de 2023 – em que várias medidas do programa “Mais Habitação” vieram a público, o mesmo tem gerado imensas discussões e controvérsias… Daí que muitos se interroguem: afinal que pacote é este?
No dia 19 de julho de 2023 a Assembleia da República aprovou na globalidade um pacote de medidas inseridas num Programa apresentado pelo Governo, a que se deu o nome de “Mais Habitação”, o qual tem como objetivo anunciado criar “mais habitação”, tal como o seu nome indica.
A Proposta de Lei 71/XV/1 aprova medidas no âmbito do plano de intervenção “Mais Habitação”, tendo dado entrada no Parlamento a 14 de abril de 2023. A Proposta de Lei 77/XV/1 autoriza o Governo a proceder à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo e ordenamento do território, tendo dado entrada no Parlamento a 2 de maio de 2023.
No passado dia 21 de agosto, o Presidente da República tomou a decisão de promulgar a Proposta de Lei 77/XV/1 e de vetar a Proposta de Lei 71/XV/1, fazendo-a retornar ao Parlamento.
Relativamente à proposta vetada pelo PR, é de esperar alguma forte argumentação e contestação proveniente dos vários quadrantes políticos (afinal a Proposta de Lei foi aprovada apenas pelo Partido Socialista, o qual detém a maioria parlamentar), mas também de vários quadrantes da sociedade civil. Veremos o que se vai passar nos próximos tempos...
Mas porque estas medidas já tiveram e têm impacto sobre a sociedade e a economia, por força das expetativas criadas desde a apresentação da proposta em Conselho de Ministros, há cinco meses atrás, partilho aqui um breve resumo do que está proposta em cada Proposta de Lei:
PROPOSTA DE LEI 71/XV/1
Objetivo: garantir mais habitação
Através das seguintes grandes linhas de atuação:
Criação de apoio à promoção de habitação para arrendamento acessível;
Desenvolvimento de uma nova geração de cooperativismo para a promoção de habitação acessível;
Definição de regras excecionais e transitórias quanto ao valor das rendas nos novos contratos de arrendamento, subsequentes a contratos celebrados nos últimos cinco anos;
Definição de mecanismos de proteção dos inquilinos com contratos de arrendamento anteriores a 1990 e à garantia de justa compensação do senhorio;
Simplificação e melhoria do funcionamento do procedimento especial de despejo e da injunção em matéria de arrendamento e reforço da garantia de inquilinos e senhorios;
Aprovação de várias medidas fiscais de incentivo e apoio ao arrendamento;
Incentivo à transferência de apartamentos em alojamento local para o arrendamento habitacional;
Criação de uma contribuição extraordinária sobre apartamentos e estabelecimentos de hospedagem integrados numa fração autónoma de edifício em alojamento local;
Revogação das autorizações de residência para atividade de investimento imobiliário;
Alargamento do âmbito de isenções de fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
PROMOÇÃO DE HABITAÇÃO ACESSÍVEL
Beneficiários do apoio
Cooperativas de habitação ou outras sociedades comerciais que se dediquem à construção de habitações a custos controlados.
Os municípios, a juntas de freguesia, as misericórdias, as instituições particulares de solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa ou de reconhecido interesse público que, isoladamente ou em parceria com as entidades referidas no ponto anterior.
Extensão do regime ao alojamento estudantil
Modalidades de apoio
Linha de financiamento
com garantia mútua e bonificação de taxa de juro;
construção ou reabilitação (incluindo aquisição de imóvel para este efeito e posterior arrendamento) de projetos na área da habitação acessível.
Cedência de terrenos e edifícios públicos
mediante cedência do direito de superfície por um prazo máximo de 90 anos, renovável para o mesmo fim, mediante acordo entre as partes;
o direito de superfície é transmissível, desde que salvaguardado o dever de afetação dos fogos à promoção de habitação para arrendamento acessível.
Benefícios fiscais
Taxa de IVA de 6% para empreitadas de construção ou reabilitação de imóveis maioritariamente afetas (pelo menos 70%) ao Programa de Apoio ao Arrendamento (PAA)
Isenção de IMT na aquisição ou compra para reabilitação ou construção se, após a reabilitação ou construção, for afeta a PAA
em caso de celebração de contrato de arrendamento no âmbito do PAA, no prazo máximo de 6 meses desde a data de transmissão, ou à manutenção do destino do imóvel durante 5 anos desde a data de transmissão:
na aquisição de terrenos destinados à construção de imóveis habitacionais viculados ao Programa de Arrendamento Acessível (PAA);
na aquisição, reabilitação ou construção de prédios urbanos ou frações autónomas para afetação ao PAA.
Isenção de IMI por um período de 3 anos após a aquisição ou reabilitação se afeto a PAA, podendo renovar-se por mais 5 anos
em caso de celebração de contrato de arrendamento no âmbito do PAA, no prazo máximo de 6 meses desde a data de transmissão, ou à manutenção do destino do imóvel durante 5 anos desde a data de transmissão - sobre prédios urbanos ou frações autónomas afetas ao PAA por um período de 3 anos, a contar do ano da aquisição (renovação por 5 anos, não automática)
Isenção de AIMI, desde que enquadrados no PAA
Isenção de Imposto de Selo em contratos de arrendamento habitacional de imóveis destinados a Arrendamento Acessível
Incentivos ao arrendamento habitacional a custos acessíveis
As mais-valias resultantes da alienação de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e sociedades de investimento imobiliário em que, pelo menos, 75% dos seus ativos sejam bens imóveis afetos a arrendamento habitacional a custos acessíveis, são tributadas à taxa de 10% quando os titulares sejam entidades não residentes a que não seja a aplicável a isenção prevista no artigo 27º do EBF, ou sejam sujeitos passivos de IRS residentes em território português que obtenham os rendimentos fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola e não optem pelo respetivo englobamento.
Isenção de IRS e IRC nos rendimentos prediais obtidos no âmbito dos programas municipais de oferta para arrendamento habitacional a custos acessíveis e para alojamento estudantil.
ARRENDAMENTO
Limitações ao aumento do valor da renda em novos contratos
O valor da renda inicial dos novos contratos de arrendamento, caso o imóvel em questão tenha sido arrendado nos últimos cinco anos, não pode ser superior a 2% em relação ao valor da última renda contratada.
Exceções:
A limitação de 2% não se aplica aos contratos de arrendamento cujo valor da renda inicial seja inferior ao valor da renda máxima para cada concelho, tal como definida nos programas de arrendamento acessível (“Porta 65 Jovem”, “Programa de Apoio ao Arrendamento”).
Caso o contrato de arrendamento imediatamente anterior não tenha sido objeto de uma ou mais atualizações legalmente admitidas, poderá ser acrescida a atualização que resulte dos coeficientes de atualização dos três anos anteriores, considerando-se relativamente a 2023 o coeficiente de 5,43%.
Caso o imóvel seja objeto de obras de remodelação ou restauro profundos (sendo necessário atestado da Câmara Municipal), à renda inicial pode ser acrescido o valor relativo às despesas suportadas pelo senhorio, até ao limite anual de 15%.
Não transição para o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) dos contratos de arrendamento anteriores a 1990
Os contratos anteriores a 1990 e que não tenham ainda transitado para o NRAU deixam, em definitivo, de ter essa possibilidade.
Existirão medidas de compensação aos senhorios (isenção de IRS, isenção de IMI, montantes e limites da compensação, definição do valor da renda, etc.), a aplicar a partir de 2024 (mas ainda necessitam de ser confirmadas, após emissão de relatório a emitir pela Planapp e pelo IHRU).
Redução da taxa especial de IRS sobre os rendimentos de rendas
Os contribuintes que aufiram rendimentos com rendas (senhorios) e que não optem pelo englobamento deste tipo de rendimentos, passam a usufruir das seguintes reduções de taxa:
De 28% para 25%, em contratos de arrendamento com prazo igual ou superior a 2 anos e inferior a 5 anos.
De 23% para 15%, em contratos de arrendamento com prazo igual ou superior a 5 anos e inferior a 10 anos.
redução de 2 p.p. em cada renovação contratual, até ao limite de 10%
De 14% para 10%, em contratos de arrendamento com prazo igual ou superior a 10 anos e inferior a 20 anos.
De 10% para 5%, em contratos de arrendamento com prazo igual ou superior a 20 anos.
A redução de taxa de IRS não se aplica para contratos de arrendamento celebrados a partir de 1 de janeiro de 2024 cujo valor de renda exceda em 50% os limites máximos do valor de renda por tipologia em função do concelho onde se situa o imóvel, tal como definida nos programas de “arrendamento acessível” (Porta 65 Jovem e Programa de Apoio ao Arrendamento).
Compensação aos senhorios pelas limitações aos aumentos de renda
Aplicação de coeficiente fixo de 0,90 aos seus rendimentos prediais sujeitos às taxas progressivas de IRS e/ou à taxa autónoma de 25%.
Aplicação de coeficiente variável de 0,45 a 0,90 aos seus rendimentos prediais sujeitos às taxas reduzidas de IRS (de 5% a 26%).
Comunicação de contratos pelos locatários (inquilinos) e sub-locatários
Os locatários e sub-locatários têm a possibilidade de comunicar à Autoridade Tributária os contratos de arrendamento e sub-arrendamento.
Arrendamento forçado
As frações autónomas de uso habitacional, bem como as partes de prédio urbano suscetíveis de utilização independente de uso habitacional, poderão ser alvo de arrendamento forçado, desde que:
localizadas fora dos territórios do interior e das Regiões Autónomas; e
classificadas como devolutas há mais de 2 anos (conforme DL 159/2006).
Dois procedimentos opcionais:
Caso o município pretenda proceder ao arrendamento do imóvel:
Se o imóvel necessitar de obras, o município pode notificar o proprietário do dever de conservação, podendo ainda promover a execução das obras em caso de incumprimento.
Se o imóvel não necessitar de obras, o município pode notificar o proprietário do dever de dar uso à fração, podendo ainda apresentar proposta de arrendamento ao proprietário.
O imóvel será objeto de arrendamento forçado, caso o proprietário recuse a proposta não se pronuncie no prazo de 90 dias e o imóvel se mantenha devoluto.
Caso o município não pretenda proceder ao arrendamento do imóvel:
Se o imóvel necessitar de obras, o município pode notificar o proprietário do dever de conservação, podendo ainda promover a execução das obras em caso de incumprimento.
Se o imóvel não necessitar de obras, o município pode remeter a informação para o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), e este pode apresentar proposta de arrendamento ao proprietário.
O imóvel será objeto de arrendamento forçado, caso o proprietário recuse a proposta não se pronuncie no prazo de 90 dias e o imóvel se mantenha devoluto.
O valor das rendas - em situações de arrendamento forçado – não pode exceder em 30% os limites gerais de preço de renda por tipologia em função do concelho onde se localiza o imóvel (conforme alínea a) do n.º 1 do artigo 10º do DL 68/2019)
Caso os municípios prescindam do arrendamento forçado, não podem aplicar as taxas agravadas de IMI previstas para imóveis devolutos.
Comunicação de contratos de consumos de serviços
Para efeitos de controlo da utilização dada aos imóveis, as entidades distribuidoras de água, energia e telecomunicações fixas, devem comunicar à Autoridade Tributária e Aduaneira os contratos de consumos de serviços com clientes finais.
Da comunicação a efetuar deve constar a identificação fiscal do cliente final e a indicação do artigo matricial do prédio urbano, bem com uma lista atualizada da ausência de consumos ou de consumos baixos, por cada prédio urbano ou fração autónoma.
Serão considerados indícios de desocupação (conforme DL 159/2006):
A inexistência de contratos em vigor com empresas de telecomunicações e de fornecimento de água, gás e eletricidade;
A inexistência de faturação relativa a consumos de água, gás, eletricidade e telecomunicações;
A existência cumulativa de consumos baixos de água e eletricidade, considerando-se como tal os consumos cuja faturação relativa não exceda, em cada ano, consumos superiores a 7 m3, para a água, e de 35 kWh, para a eletricidade;
A situação de desocupação do imóvel, atestada por vistoria realizada ao abrigo do artigo 90º do DL 555/99, na sua redação atual.
Garantia de pagamento pelo Estado ao senhorio das rendas não cobradas
O Estado vai substituir-se ao inquilino e pagar rendas nos casos em que haja incumprimento superior a 3 meses, para reforçar as garantias no mercado de arrendamento.
Caberá ao Estado avaliar a situação do inquilino, podendo avançar para a cobrança dos valores em falta, utilizando os meios atualmente existentes para a cobrança de outras dívidas.
ALOJAMENTO LOCAL
Suspensão de novos registos
Fica suspensa a emissão de novos registos de estabelecimento local nas modalidades de apartamentos e estabelecimentos de hospedagem integrados em fração autónoma.
Exceção: territórios do interior e Regiões Autónomas.
Os Municípios podem definir nas suas Cartas Municipais de Habitação o equilíbrio entre a oferta de habitações e o alojamento estudantil, permitindo o fim da suspensão de novas licenças, salvo se os Municípios tiverem declarado situação de carência habitacional.
Reapreciação de registos já emitidos
Os registos emitidos à data de entrada em vigor da Proposta de Lei serão objeto de reapreciação em 2030.
No caso de estabelecimentos que constituam garantia real de contratos de mútuo celebrados até 16/02/2023, que não sejam liquidados até 31/12/2029, a reapreciação só terá lugar após a amortização integral.
Prazo de renovação: 5 anos.
Intransmissibilidade e Caducidade
O número de registo do estabelecimento de alojamento local é pessoal e intransmissível, ainda que na titularidade dou propriedade de pessoa coletiva.
O registo caduca em caso de transmissão de qualquer parte do capital social da pessoa coletiva titular do registo, independentemente da percentagem. Esta caducidade só é afastada em casos de sucessão.
No prazo de 2 meses a contar da data de entrada em vigor da Proposta de Lei, os titulares do estabelecimento são obrigados a efetuar prova da manutenção da atividade de exploração, sob pena de cancelamento dos respetivos regimes.
Oposição ao exercício da atividade de Alojamento Local
No caso de a atividade de AL ser exercida numa fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano susceptível de utilização independente, pode a Assembleia Geral de Condóminos opor-se ao exercício dessa atividade, desde que: (i) delibere por mais de metade da permilagem; (ii) o título constitutivo não preveja expressamente essa utilização nem exista uma deliberação expressa da Assembleia a autorizar tal utilização.
Contribuição extraordinária
A Contribuição Extraordinária sobre o Alojamento Local (CEAL) incide sobre os apartamentos (frações autónomas e as partes ou divisões de prédios urbanos susceptíveis de utilização independente de natureza habitacional) afetos a alojamento local, à data de 31 de dezembro de cada ano.
A CEAL é devida pelos titulares de exploração dos estabelecimentos em AL e, subsidiariamente, pelos proprietários de imóveis que não sejam titulares de exploração.
Excluem-se da CEAL:
Os imóveis localizados no interior do país e nas Regiões Autónomas;
Os imóveis localizados em freguesias que preencham os seguintes critérios:
sejam abrangidas por Carta Municipal de Habitação em vigor que evidencie o adequado equilíbrio de oferta de habitações e alojamento estudantil no município;
integrem municípios nos quais não tenha sido declarada a situação de carência habitacional;
não tenham qualquer parte do seu território como zona de pressão urbanística.
Os imóveis habitacionais que não constituam frações autónomas, nem partes ou divisões susceptíveis de utilização independente e as unidades de alojamento local em habitação própria e permanente, desde que a exploração não ultrapasse 120 dias por ano.
A taxa de CEAL aplicável é de 15%, sendo a base tributável a que resulta da aplicação dos seguintes coeficientes (a serem publicados anualmente em Portaria):
coeficiente económico do alojamento local; e
coeficente de pressão urbanística à área bruta privativa dos imóveis habitacionais.
A CEAL é liquidada e paga pelo sujeito passivo, até ao dia 20 e 25 de junho, respetivamente, do ano seguinte ao facto tributário.
A CEAL não é dedutível para efeitos do lucro tributável em IRC, mesmo quando contabilizada como gasto do período de tributação.
Incentivos fiscais à transferência de imóveis de AL para Arrendamento
Estão isentos de tributação em IRS ou IRC os rendimentos prediais que resultem da transferência de imóveis afetos a AL para arrendamento destinado a habitação permanente, e desde que:
os imóveis transferidos tenham registo e afetação da exploração de estabelecimento de alojamento local até ao final de 2022;
celebrem o contrato de arrendamento para habitação permanente, com o respetivo registo no Portal das Finanças, até ao final de 2024.
Coeficiente de vetustez no Alojamento Local
O coeficiente de vetustez dos prédios que constituam, total ou parcialmente, estabelecimentos de AL, é sempre 1, impactando (em aumento) o VPT desses imóveis.
Termino por aqui a primeira parte deste artigo. Na segunda parte abordarei as medidas que incidem sobre a Compra para Revenda, os Golden Visas, as Mais Valias Imobiliárias, o IMI e alguns Benefícios Fiscais adicionais. E listarei as principais medidas da Proposta de Lei 75/XV/1, a qual tem como objetivo a simplificação dos processos de licenciamento urbanístico.
Pode ler aqui < https://www.mouramarques.pt/post/mais-habitação-afinal-que-pacote-é-este-parte-2-de-2 > a 2ª parte deste artigo.
Necessita de esclarecimentos adicionais?
Não hesite em contactar-me:
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marcomouramarques@kwportugal.pt
Fontes: Idealista, Público, Antas da Cunha ECIJA e Cuatrecasas
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