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A pressão sobre o mercado residencial em Portugal

Foto do escritor: Marco Moura MarquesMarco Moura Marques

Atualizado: 29 de ago. de 2023

# Medir bem para bem avaliar e decidir


Inicio este artigo com uma vénia ao trabalho realizado por Ricardo Guimarães na elevação do seu Confidencial Imobiliário (CI) a uma fonte cada vez mais credível de informação – quantitativa e qualitativa – do mercado imobiliário nacional. Nestes tempos em que vivemos, em que é muito fácil transformar meros palpites em (supostas) opiniões fundamentadas, o CI torna-se um porto de abrigo tremendamente importante para quem trabalha neste setor ou o quer compreender devidamente.


Felizmente, não é caso único, existindo um número crescente de pessoas e projetos que tentam dar uma maior credibilidade e profissionalismo ao trabalho desenvolvido no setor imobiliário, recolhendo, analisando e partilhando informação credível e opiniões (e não meros palpites) sustentáveis.


Em toda a minha vida profissional nunca conheci projetos empresariais com resultados positivos a longo prazo, assentes numa lógica estrutural, que não fossem alicerçados em medições efetivas da realidade e das suas variáveis, com monitorização permanente ao longo da execução das decisões tomadas, com os consequentes ajustamentos necessários efetuados ao longo desse processo.


Gráfico

Sim, é verdade que lidei com empresários e decisores com um tremendo ‘feeling’ para o seu negócio. Decisores com visão, os quais facilmente se apercebiam para onde queriam ou deveriam levar o seu negócio. E muitos deles chegaram lá, seguindo pelo caminho que o seu instinto “de homem de negócios” lhes indicava como o correto. Mas também muitos destes que chegaram a esse lugar visionado, fizeram-no de forma muito pouco eficiente, desperdiçando recursos, comprometendo sustentabilidade e afetando negativamente muitas vidas dependentes da boa gestão do negócio com que se envolveram.


O ‘feeling’ empresarial é muito muito importante. Mas quando está em causa a boa gestão de uma multiplicidade de recursos, é indispensável saber onde estamos, medindo a realidade presente, para perceber como e por onde deveremos ir em busca desse ‘lugar’ visionado. E ir medindo a realidade ao longo de todo o caminho, por forma a se poder ajustar o “como” e o “por onde”.


Isto torna-se ainda mais relevante e impactante quando estamos perante decisores e decisões políticas, onde o impacto destas é muito mais vasto. E se essas decisões não são as mais corretas, então podem gerar verdadeiras “mini crises” dentro dos setores onde são tomadas ou mesmo ao nível das sociedades que recebem o seu impacto.


Recentemente (março de 2023) o Governo português propôs um pacote de medidas, a que deu o nome de “Mais Habitação”, com o objetivo anunciado de aumentar o número de habitações disponíveis no mercado, nomeadamente no mercado de arrendamento, de reduzir ou inverter a tendência crescente dos preços das transações de compra e venda e de arrendamento, bem como de mitigar os efeitos das subidas das taxas de juro dos créditos à habitação.


A verdade é que assistimos, quer numa fase prévia de lançamento desse programa, quer depois do seu lançamento, a um conjunto de notícias díspares, bem como a disparates noticiosos (suportados por comentários de quem apenas tinha uma noção superficial sobre o assunto), sobre as supostas causas do atual estado do mercado residencial em Portugal. Expressões e ideias como “especulação imobiliária”, “bolha no mercado imobiliário”, “malefícios do investimento estrangeiro”, “alojamento local prejudica o arrendamento de longo prazo”, entre outras, tornaram-se frequentes um pouco por todo o lado, nomeadamente nos meios de comunicação social e nas redes sociais.


Não coloco aqui em causa a existência de um fundo de verdade em algumas dessas expressões e ideias (pois “onde há fumo há fogo”), mas sim a sua descontextualização por razões de ignorância ou objetivos meramente populistas, apontando-se apenas para uma pequena parte do problema.



# O que está na génese da pressão sobre a oferta habitacional


Tratemos de olhar melhor para o que a história recente nos diz ao nível da evolução de alguns indicadores que necessariamente impactam direta e indiretamente o mercado do imobiliário residencial em Portugal.

pressão sobre a oferta

Note-se que, ainda que toda esta informação já esteja disponível há muito tempo, a verdade é que para a maioria dos observadores (a denominada ‘opinião pública), isto é o que se tem “descoberto” nos últimos meses através de análises mais aprofundadas, envolvendo quem trabalha e conhece bem o setor:


  • Portugal apostou fortemente no turismo, ao longo das últimas décadas, mediante campanhas realizadas internacionalmente, tornando-se recentemente um hábito ver o País, e algumas das suas principais cidades, mencionados e incluídos nos rankings internacionais de instituições de prestígio. As suas belezas naturais, o número de dias de sol, as temperaturas amenas, a hospitalidade das suas gentes, a sua gastronomia, a segurança (desde 2019 situa-se entre o 3º e o 7º lugar, entre 163 países, no Global Peace Index) e a qualidade de vida em geral, são fatores que seduzem quem visita Portugal.


tráfego de passageiros

Nota: a queda abrupta em 2020 e os reduzidos valores de 2021 (anos da pandemia viral) no tráfego de passageiros nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro, já foram quase totalmente recuperados em 2022, segundo estimativas recentes (mas ainda não publicadas).


  • Ainda como parte da estratégia de abrir Portugal ao turismo internacional, em setembro de 2009, com pompa e circunstância, a Ryan Air vê inaugurada oficialmente a sua base no Porto. O primeiro voo com ligação a Portugal ocorreu em 2002 (voo Porto-Dublin). Mas em outubro de 2009 já fez o primeiro voo doméstico, ligando Porto e Faro quatro vezes por semana. Foi claramente um salto significativo na intensificação do caudal de turismo internacional para o nosso País.

  • Como “ferramenta” adicional e complementar de fomento à atividade turística do País, o alojamento local foi regulamentado com o DL n.º 399/2008 de 7 de março (sendo posteriormente atualizado em 2014 e alterado em 2018). Coincidentemente, também em 2008, Brian Chesky, Joe Gebbia e Nathan Blecharczyk criavam em São Francisco a AirBed & Breakfast, hoje conhecida apenas por Airbnb, a empresa que veio revolucionar o setor. Desde então tem tido um crescimento significativo, nomeadamente pela facilidade da reserva de alojamento via plataformas online. Em 2014, a própria Airbnb considerou Portugal “um dos líderes europeus na regulação da economia da partilha”.

  • Os governos de Portugal adotaram políticas de concessão de vistos a estrangeiros visando a captação de investimento direto estrangeiro (IDE), oferecendo contrapartidas, nomeadamente sob a forma dos denominados “vistos Gold”, os quais permitiram a obtenção de cidadania portuguesa através do investimento em imóveis (claramente a via escolhida por quem recorreu a esta modalidade de visto), transferência de capitais e criação de postos de trabalho.

Autorização de residencia

Recentemente (outubro 2022) foi criada legislação que concede facilidades aos “nómadas digitais” para residirem e serem tributados em Portugal em condições preferenciais (já foram emitidos 550 vistos nos primeiros 5 meses desde a aplicação da lei).


  • Pela conjugação das situações acima referidas, inevitavelmente a população estrangeira a residir em Portugal teria que ter uma evolução como esta:

20.514 em 1960 | 24.703 em 1970

50.750 em 1980 | 107.767 em 1990

207.587 em 2000 | 443.055 em 2010

661.607 em 2020 | 698.536 em 2021 (ano do último Censos)


(dados retirados do mapa abaixo, cujas fontes são o INE, o SEF/MAI e a PORDATA)


População estrangeira

De notar que no gráfico acima verifica-se uma curva descendente nos anos pós-crise despoletada em 2008, mas tal foi invertida acentuadamente a partir de 2016.


  • Foi notícia recente (e lançada na opinião pública com todo o alarido) a a existência de um m número significativo de alojamentos vagos (723.215 em 2021, de acordo com os Censos do INE). No entanto, as suas características e o seu potencial de colocação no mercado de arrendamento de longo prazo, por exemplo, ainda não são suficientemente conhecidas.


Será fundamental conhecer em pormenor estes alojamentos, aferir da sua capacidade de aumentar a oferta residencial e criar os mecanismos que incentivem os seus proprietários a vender ou a arrendar os mesmos e, assim, deminuir a pressão sobre a oferta.


Note-se que, no entanto, este suposto ‘desconhecimento’ é de difícil explicação, uma vez que o número de “vagos” já atingiu um ‘pico’ em 2011, pouco tendo diminuído em 10 anos. Incertezas na recolha de dados e tratamentos estatístico… ou incapacidade (ou negligência) ao longo de vários anos na abordagem e tomada de medidas em relação a esta quantidade significativa de imóveis?


Alojamentos

  • A estrutura dos agregados familiares em Portugal evoluiu consideravelmente quanto ao seu número médio de pessoas, bem como ao número que compõe cada agregado. Assim, verifica-se um aumento considerável dos agregados formados por 1 ou 2 pessoas, por contraponto à diminuição significativa do número de agregados com 5 e mais pessoas, com a consequente pressão sobre a oferta de habitação.


Dimensão média

No gráfico acima verificamos que a evolução do número médio de pessoas por agregado familar evoluiu de 3,3 pessoas em 1983 para 2,5 pessoas em 2021. A inversão verificada em 2020 e o ‘pico’ verificado em 2021 estão relacionados com os anos de pandemia viral, os quais fizeram muitas pessoas retornar ao seu ‘núcleo familiar’.


número total de pessoas em Portugal

No quadro acima, verificamos que o número total de pessoas em Portugal não oscilou muito entre 2001 (10.255.526 indivíduos) e 2021 (10.194.921 indivíduos), mas os agregados familiares compostos por 1 ou 2 pessoas passaram de uma representação de 30,3% em 1960 para 45,7% em 2001 e para 58,1% em 2021. Já os agregados familiares numerosos de 5 ou mais pessoas representavam 29,1% em 1960, mas já só representavam 9,5% em 2001 e 5,6% em 2021.


Ou seja, em duas décadas (2001-2021) com sensivelmente o mesmo número de pessoas no total da população, o País necessita agora de um número mais elevado de fogos residenciais para os seus agregados familiares.


  • O número de alunos no Ensino Superior aumentou nas últimas décadas, fundamentalmente na década de 1990, com a consequente necessária maior mobilidade de uma boa parte dos estudantes que vão viver para longe do seu agregado familiar, com a consequente pressão sobre a oferta habitacional.


No entanto, a subida significativa dos preços da habitação nos últimos anos (arrendamento e compra/venda), colocou a nu um problema que vinha ficando esquecido e só relembrado pela opinião pública nos meses de setembro/outubro de cada ano: um insuficiente número de camas, a preços acessíveis, para albergar os estudantes deslocados.


número de alunos no Ensino Superior

  • Existe uma cada vez maior concentração de população nos centros urbanos, em detrimento das zonas rurais, com a consequente pressão sobre a oferta habitacional nestes centros urbanos.

  • O parque habitacional público atual é de 2%, o que coloca Portugal em mínimos de há muitos anos, sendo claramente inferior à média verificada na União Europeia. No entanto, há quem discorde relativamente à comparabilidade destes valores, tal como resulta destes interessantes artigos: https://observador.pt/opiniao/precisamos-de-mais-habitacao-publica-o-caso-particular-de-lisboa/ e https://observador.pt/opiniao/temos-falta-de-habitacao-publica/.

  • A contratação de crédito à habitação com taxa de juro variável tornou-se popular a partir de meados da década de 1990, a partir de onde se verificou uma queda significativa na Euribor, com pontuais aumentos, mas logo seguidos de revisão em baixa, e com um longo período em que se manteve negativa (2016 a início de 2022).

Ou seja, por volta de 1995, a sociedade portuguesa, numa fase de expansão da economia (e com um ‘boom’ imobiliário), deixou praticamente de utilizar a taxa fixa nos seus créditos à habitação. Os bancos, inclusive, tendencialmente deixaram de a oferecer, aliciando os seus clientes com a perspetiva de prestações mais reduzidas no futuro, em função das perspetivas de evolução da taxa de referência dos contratos de crédito à habitação. Note-se que nessa altura, o referencial ainda era a Lisbor, uma vez que a Euribor surgiu apenas a 1 de janeiro de 1999.


A subida abrupta da Euribor em 2022, utilizada como ferramenta do Banco central Europeu para controlar a tendência inflacionista, veio criar nova pressão sobre o mercado habitacional, encarecendo o crédito à habitação e criando maiores exigências em termos das yields dos investidores.


Tudo isto colocou o mercado habitacional em Portugal sob forte pressão: subida ininterrupta dos preços médios de venda e de arrendamento há vários anos consecutivos (quase uma década), sobrevivendo mesmo a dois anos de pandemia viral e a subidas abruptas (embora recentes) de taxa de inflação e de taxas de juro, com o stock de imóveis no mercado em mínimos de há muitos anos.


Gráfico

Haverá agora que cuidar de tomar as medidas estruturais certas de estímulo aos agentes económicos, no sentido de permitir aligeirar esta pressão e conduzir este mercado a níveis de funcionamento e com mecânicas fluidas de ajustamento que o coloquem ao serviço do bem estar das populações.


Relativamente à conjuntura atual do mercado imobiliário e suas tendências para os próximos meses, poderá ler o meu artigo https://www.mouramarques.pt/post/conjuntura-atual-de-mercado-e-perspetivas-de-futuro-julho-2023.


Necessita de apoio profissional para uma boa tomada de decisão relativamente aos seus investimentos imobiliários?

Contacte-me e terei todo o gosto em aconselhá-lo(a) e apoiá-lo(a):

Marco Moura Marques

+351 967 035 966

marcomouramarques@kwportugal.pt


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